Uma esquina em um dia de outono
Uma esquina em um dia de outono


Marcio Aurelio Soares
Os dias de outono nos trópicos costumam ser ideais para atividades ao ar livre. Céu limpo, sol presente, mas ameno, temperatura em torno dos 25 graus — o suficiente para convidar a uma caminhada, seguidas goles de água de coco e, quem sabe, um peixe grelhado no almoço. As pessoas desfilavam contentes, cada uma à sua maneira: umas de roupas esportivas, outras de bermudas e sandálias, enquanto na areia jogavam futevôlei, tênis de praia ou simplesmente tomavam sol.
Foi nesse cenário que ocorreu um encontro improvável: Thomas Woodrow Wilson, ex-presidente dos Estados Unidos, e Olavo Bilac, poeta brasileiro. Ambos surgiram em uma esquina de uma cidade litorânea de São Paulo. O acaso teria reunido esses dois personagens históricos?
Wilson, já sexagenário, preferia ser chamado por seu segundo nome, Woodrow. Bilac, com cerca de 40 anos, trajava-se como exigia a formalidade da época. Nada de bermudas ou chinelos: ambos vestiam paletós escuros, coletes, camisas engomadas e chapéus — palheta para o brasileiro, cartola para o estadunidense. Era uma elegância anacrônica diante dos trajes leves ao redor.
Aproximando-se discretamente, foi possível captar parte da conversa, conduzida em voz baixa e gestos contidos, como convinha a homens públicos e letrados.
Senhor presidente, admiro sua iniciativa de encaminhar ao Congresso a 19ª Emenda. Ah, então conhece meu gesto? Sim, achei ousado e justo. Que as mulheres não tenham o direito ao voto negado. Fico grato. E o senhor, ainda que poeta, também atua em causas cívicas? Sim, tenho trabalhado em campanhas de alfabetização. Aliás, talvez o senhor saiba: sou autor da letra do Hino à Bandeira. Uma bela composição. A métrica dos parnasianos exige precisão. De fato. Recordo um verso: “Em teu seio formoso retratas / Este céu de puríssimo azul”.
Wilson sorriu discretamente. Comentou que em sua capital, em suja primavera, o clima também era agradável embora o céu não tivesse o mesmo azul intenso daquele dia.
Despediram-se com uma leve inclinação dos corpos e seguiram caminhos diferentes. O tom formal deixava claro: não eram amigos, mas figuras públicas que se reconheceram ao cruzar o tempo por uma esquina onde hoje se pode saborear um filé de pescada à moda do chefe, receita servida ali desde os anos 1960.