UM FUTURO SEM FUTURO?
Por Marcio Aurelio Soares*
Eis aí uma boa questão. Quem desconhece o passado não entende o presente e não constrói o futuro. Porém, quem imagina construir o futuro unicamente a partir do passado está fadado a não ter futuro — ou, pelo menos, um futuro original.
Arnold J. Toynbee, em sua obra monumental Um Estudo da História, publicada em doze volumes entre 1934 e 1961, propõe que as civilizações passam por um ciclo de ascensão, crescimento e decadência, impulsionadas por minorias criativas que enfrentam e resolvem desafios. Ele argumenta que a capacidade de uma civilização de responder a esses desafios determina seu sucesso ou fracasso. Portanto, a evolução das sociedades — e, em última análise, da humanidade — depende da criatividade, uma habilidade essencialmente humana.
Em uma rápida consulta, descobrimos que seu trabalho é conhecido pela ênfase na importância dos fatores religiosos e espirituais na formação da história humana, bem como pela crítica à sociedade ocidental moderna devido ao seu materialismo e à perda de valores espirituais — certamente a solidariedade e a fraternidade. Valores esses que dependem de nós.
E o que é a I.A., a Inteligência Artificial, senão a antítese desse princípio? Afinal, ela não é inteligente e, muito menos, artificial. Miguel Nicolelis, neurocientista brasileiro que estuda a interface cérebro-máquina, nos explica que a I.A. é, na verdade, uma série de modelos estatísticos que analisam grandes volumes de dados para identificar padrões e fazer previsões.
Utilizando-se a I.A., ninguém conseguirá criar uma obra de arte genuína. Mesmo que tente algo semelhante, apresentará uma obra derivada de criações artísticas anteriores. Artificialmente, não há possibilidade, nem mesmo remota, de uma máquina produzir uma peça verdadeiramente original. Tudo o que ela faz é oferecer respostas com base no que foi programada, a partir da coleta e análise de milhões de informações disponíveis e circulantes na web.
É inegável a sua importância, mas também é uma ilusão acreditar que a I.A. vá criar algo verdadeiramente inovador e transformar as civilizações. Nossas vidas dependem de inter-relações humanas, fundamentadas em uma moral baseada na consciência e nas crenças pessoais, e em uma ética construída sobre valores e normas compartilhados por um grupo ou sociedade — elementos essenciais para manter a ordem e a coesão social.
As I.A. estão se tornando cada vez mais acessíveis, e o mundo digital está cada vez mais presente em nossas rotinas, criando uma economia da atenção — termo cunhado pelo economista e psicólogo Herbert A. Simon em 1971. Ele define esse conceito como a ideia de que a atenção humana é um recurso escasso e valioso. Em um mundo repleto de informações, nossa capacidade de prestar atenção e assimilar conhecimento é cada vez mais reduzida. A economia da atenção levanta questões importantes sobre privacidade, ética e os impactos da sobrecarga de informações na saúde mental.
Nesse contexto, a proibição do uso de celulares nas escolas foi uma das medidas mais inteligentes tomadas por nossas autoridades recentemente. Pensar, refletir e até se angustiar com o presente, conhecendo o passado, é a única maneira de resolver nossos conflitos pessoais e civilizacionais, além de nos dar o potencial de projetarmos um futuro mais consciente e criativo.
* Médico