Será que Santos já foi a “Capital Nacional do Cinema”?
Por Mário Efegomes Jr.
É notório que Santos é uma das mais antigas cidades do país e abriga o mais importante porto da América Latina. Tais peculiaridades nos ajudam entender o porquê de tantas novidades terem chegado a estas paragens antes de se espalharem pelo nosso território nacional. O único a superar a vanguarda santista na exibição de filmes foi o Rio de Janeiro. Naquele tempo, a “Cidade Maravilhosa” era a capital do país e inaugurou, ainda em 1897, o pioneiro “Salão de Novidades Paris". Cerca de um ano antes, seletos convidados puderam acompanhar uma exibição experimental na Rua do Ouvidor.
Segundo o santista Olao Rodrigues – grande jornalista, historiador e escritor – nos primórdios, como ainda não existiam salas de cinemas, “as primeiras exibições aconteciam em praças e feiras de modo gratuito e aberto ao público em geral”.
Olao segue com o registro: “Quem trouxe essa novidade para a cidade teria sido a firma Fernando & Queiroz. Os primeiros locais de apresentações foram o Recreio do Miramar, a Praia da Barra (hoje Boqueirão), o Teatrinho Variedades (onde hoje é a Praça dos Andradas), o Parque Miramonte, o Parque da Rua do Rosário (hoje João Pessoa), e o Circo Martinelli, instalado na Rua Amador Bueno”.
A também jornalista Victória Silva, em seu ótimo artigo de 20.01.2020 (disponível na internet e cuja leitura recomendo), foi muito feliz quando descreve que: “Em 1930, Santos era a cidade com o maior número de salas de cinema por habitante do Brasil. Em outras palavras, esse romance é antigo e poderia até ser tema de filme” (considero esse trecho muito poético).
No período áureo do cinema em Santos, que teve início na década de 1930 e se estendeu até o final da década de 1960, a cidade contava 38 cinemas, totalizando mais de 40 salas de exibição! Gravado na minha lembrança mais remota está o Cine Brasília (foto), um dos últimos cinemas de bairro a serem fechados em nossa cidade! O prédio foi construído dentro da estética modernista inspirada no projeto de Oscar Niemeyer para a nossa capital federal. Ficava na Av. Pedro Lessa (no atual nº 768), no bairro Aparecida, quase na esquina com o Canal 6 (no local funciona, há anos, uma loja de uma famosa rede de supermercados).
Foi lá que meu pai, quando eu contava apenas 5 anos de idade, me levou para assistir pela primeira vez um filme na telona. Era o épico “Ben-Hur” (1959), de William Wyler, que, por ocasião da Semana Santa, estava sendo reexibido. Não é exagero dizer que foi amor à primeira vista! Fila enorme à porta! Salão gigante totalmente lotado! Apagaram-se as luzes! Ouviu-se o barulho do projetor! Um feixe de luz saído da cabine do projecionista atravessou o salão em busca de foco no pano! Seguiu-se um total silêncio da plateia vestida com “roupas de domingo”! Teve início o filme! Para mim, foi o maior espetáculo da terra! Amor que dura uma vida inteira!
Para a minha geração restou uma enorme saudade das “soirées” promovidas pelo Cine Caiçara que, entre os anos 60 e 70, fizeram a alegria da garotada do Boqueirão e dos bairros vizinhos! Aos sábados era obrigatório assistir às sessões duplas, que iniciavam às 14h e findavam às 18h. Naquelas tardes eram exibidos dois filmes pelo preço de um. O primeiro era sempre uma comédia clássica de Chaplin ou Jerry Lewis. Após o intervalo era exibido o esperado filme em cartaz na semana, alguns de enorme sucesso como “Tubarão” (1975), de Steven Spielberg, “Guerra nas Estrelas” (1977), de George Lucas, e “Superman” (1978), de Richard Donner. Recordo que no escurinho desse cinema, mesmo sem dropes de anis, muitos de meus amigos e amigas trocaram o primeiro beijo...
Pois bem, diante da farta documentação atestando que Santos, num passado nem tão distante, contava simultaneamente mais de 40 salas de exibição e que cada uma tinha em média 500 poltronas (naquele tempo as salas eram enormes). Ou seja, havia espaço suficiente para receber uma plateia de 20 mil espectadores por dia. Vou mais longe! Se considerarmos que na década de 1960 a cidade contava cerca de 260 mil habitantes seria possível, ao menos em tese, que todo cidadão santista assistisse um novo filme a cada 13 dias. Faça as contas!
Atualmente, com exceção das salas nos shoppings (todas pertencentes às grandes redes), somente as duas maiores empresas cinematográficas da cidade, que são também as mais tradicionais, permanecem em atividade: Freixo Empresa Cine Teatral Ltda. e Cinemas de Santos Ltda.
Diante do exposto, creio não restar mais dúvidas! Nossa amada cidade, em algum lugar do passado (opa, isso dá título de filme), foi com absoluta certeza a “Capital Nacional do Cinema”!
* Mário Efegomes Jr. é natural de Santos, advogado, cinéfilo e aficionado por música.
Fontes: Empresa Cine-Theatral, Acervos de A Tribuna, Obras de Olao Rodrigues, artigo de Victória Silva e Portais Google e Wikipédia.
Relação dos 38 cinemas de Santos no período de 1930-1960: Cine Moderno, Bijou Cinema, Cinema Pathé, Polytheama Rio Branco, Cine Central, Teatro e Cinema Guarani, Cine e Teatro Carlos Gomes, Cinema Seleto, Cine Miramar, Cine e Teatro Colyseu, Cine Roxy, Cine Paratodos, Cine Teatro Cassino, Cine Parisiense, Cine Paramount, Cine São Bento, Cine Caiçara, Novo Cine Carlos Gomes, Cine São José, Cine D. Pedro, Cine Atlântico, Cine Praia Palace, Cine Indaiá, Cine Iporanga, Cine Campo Grande, Cine e Teatro Independência, Cine Itajubá, Glória, Cine Brasília, Cine Macuco, Cine Popular, Cine Ouro Verde, Cine Marapé, Cine Teatro Júlio Dantas, Cine Alhambra, Cine Fugitivo e os Cines Studio-Atlântico I e II.