O Porto de Santos será comprado pela China?
* Lauro de Almeida Neto
Tenho visto mensagens dizendo que a China está comprando o Brasil pelas beiradas, e está mesmo, e que está pretendendo comprar o Porto de Santos, destacando-o como o maior do Brasil.
Se a China fizer isso, estará comprando um porto “calhambeque”, para navios anos 80, da 3ª geração, (navios para até 2500 TEUS, 2500 containers de 20 pés), sem profundidade para receber navios com calados maiores, mesmo dragado, e sem retroaria para expansão adequada, cujo estuário acolhe uma cava subaquática com o volume maior que o estádio do Maracanã, de materiais químicos e tóxicos que têm sido armazenados ali, à revelia de qualquer legislação ambiental.
Pior, inserido no meio de uma zona urbana, se um navio entrar para manobrar no estuário, e isto já foi usual e ainda se usa com embarcações menores, poderá, nesta manobra, bater forte no fundo rompendo a cava, e irá ocorrer um grave acidente ambiental, liberando todo este material tóxico, matando bilhões de peixes, fauna e flora marinha, contaminando o mar num raio de dezenas ou centenas de quilômetros, adentrando aos mangues, devastando a natureza.
A volatização desse material faria vítimas humanas também, que respirariam o ar levado pelos ventos, com potencial para um acidente muitas vezes maior que o de Mariana ou Brumadinho.
Os navios cresceram, hoje, na 5ª geração, transportam até 18.000 TEUs, gastam menos combustível e emitem menos GEE por TEU. Os custos operacionais são menores, o que impacta nos custos dos fretes internacionais. As empresas localizadas nas nações que se equiparam para esta geração de “Hub Ports” e navios mais eficientes são mais competitivas.
Precisamos de portos com profundidade de 23 metros para receber estes navios de maior calado. Santos tem 16 na boca de entrada, com maré alta. Fizeram um “puxadinho” e equiparam a entrada do porto para receber estes navios, sempre com menos de 1/3 da carga, e em maré alta. Será que isto será suficiente para servir um novo ciclo de crescimento estadual e nacional?
Aproveito para também instruir corretamente que porto não tem calado, esta terminologia – gíria –, não é correta. Quem tem calado é o navio, o porto tem profundidade para acolher o calado do navio mais o “pé de piloto”, que é uma distância de segurança entre o chão do porto e o casco do navio, que não deve ser menor que 4 pés (1,22 metro).
Santos tem operado com navios de maior calado, sem “pé de piloto”, os cascos passam quase que raspando, mas operam só ali na boca do porto e com maré alta.
Santos é um porto defasado e sem futuro. É mantido assim, e sem concorrência, não pela inciativa privada ou pelo estado, mas por uma “máfia” corporativa que contém membros de ambos, um monstro que lucra com os maiores custos e as mais caras armazenagens retroportuárias do mundo, que impede que outros portos sejam feitos no estado e no país. Michel Temer atuou muito nesta defesa corporativa.
Desde 2008, portanto, durante governos do PT, há interesse de investidores em fazer “Hub Ports” no Brasil, o investimento quase sempre estrangeiro, os principais interessados eram o Porto de Roterdã e o Porto de Singapura, mas havia outros grupos, para nós o que interessa, independente de quem seria o investimento e a gestão, é que os custos portuários iriam cair muito, e os custos de transporte internacional, que impactam nossas importações e exportações, também. O nome disso é aumento de competitividade, mas a máfia do porto de Santos não quer perder o osso.
Porto de Roterdã:
É um porto municipal, mas não é administrado pelo governo, é uma empresa privada. “100% das ações são da municipalidade. É gerido por uma comissão de executivos e o prefeito da cidade é um dos membros que dirige o porto”
Porto de Singapura:
No ano passado, a empresa teve um lucro de US$ 1 bilhão. Embora seu capital seja totalmente estatal – como parte do portfólio da Temasek Holdings, um dos dois fundos de investimentos de Cingapura, com recursos de US$ 404 bilhões –, ela é administrada como se fosse privada.
E o Porto de Santos, o que poderia ocorrer com ele? Precisamos pensar no futuro deste porto e na ocupação de milhares de trabalhadores portuários, mais ainda na formação de novos trabalhadores, convênios entre a municipalidade, escolas técnicas, universidades e o porto.
Na minha visão, Santos seria realinhado para ser um Porto “feeder”, e uma ZPIE, (Zona de Processamento Industrial), também seria um local de reciclagem de materiais técnicos, termoplásticos e outros, preparando estes para o reuso industrial.
No Projeto Porto-Indústria, que eu estou escrevendo e lançarei futuramente, aponto que aquelas garrafas pet descartadas irregularmente, poluindo algum córrego, poderiam ser transformadas em matéria-prima para novos produtos úteis, até exportáveis, com grande competitividade.
Além de “Hub Ports”, também precisamos de navios mais eficientes. Onde foi parar a nossa indústria naval? Não seria o caso de estarmos construindo aqui navios mais eficientes, uma nova frota oceânica nacional? Quantos empregos seriam gerados e mantidos com essa atividade.
No Brasil, onde não se investe em infraestrutura, e nem visão adequada sobre o assunto, seria melhor ter deixado alguém vir aqui fazer aquilo que não fizemos. Quem sabe em 2023, alguém, seja o estado ou investidores privados, façam.
Na expectativa iminente que teremos um PND (Projeto Nacional de Desenvolvimento), minha esperança é que tudo isto possa ser revisto, com uma nova visão, novas proposições, decisões e ações adequadas.
* Lauro de Almeida Neto é engenheiro mecânico automobilístico e designer, consultor em eficiência energética/energias alternativas/GDMM e comércio exterior, e militante do ecotrabalhismo.
* TEU significa twenty foot equivalent unit – equivale a 1 container de 20 pés.