O Passa Muralhas
Já foi o tempo que desconfiávamos de tudo que vinha da China e chamávamos seus produtos de “xing ling”, uma expressão que resume a combinação dos caracteres “xing” (estrela) e “ling” (zero). Estive na China uma vez, e, apesar de todo meu encantamento com o país, sua cultura e seu povo – conheci a famosa “Muralha da China”, não fiquei o tempo suficiente para descobrir se lá também, “xing ling” tem essa conotação de “zero estrelas” ou de produto de segunda linha.
O fato que a China de hoje, exporta produtos de primeira linha, ou seja, “wu ling”, cinco estrelas. Não entendo da língua chinesa, mas, recentemente, estive em Paris, e vi muitos turistas chineses, o que não foi diferente de outras vezes que estive no velho continente.
Visitando Montmartre, sempre a pé por suas ladeiras e em meio a uma multidão de turistas apressados, confesso que comecei a ficar frustrado por não estar conseguindo explorar melhor o lugar. Não que eu nunca tivesse pisado naquele chão parisiense, mas, a cada visita, tenho sempre a expectativa de descobrir novos detalhes e aspectos que passaram despercebidos antes.
Em toda foto que tentava tirar, seja de um recanto escondido, seja de um detalhe da secular fonte pública, lá estavam os chineses.
Ainda bem que meu equipamento “wu ling” chinês, que também funciona como telefone, rádio, televisão, lanterna, trena e câmera fotográfica, vem com uma ferramenta que nos permite apagar elementos indesejados das imagens. Assim, carros, lixeiras, placas de trânsito ou “pessoas intrusas” podem ser facilmente removidas da versão final da foto.
Foi então que cheguei à Place Marcel Aymé, uma pequena praça onde há uma estátua de um homem saindo de uma parede, em referência ao conto O Passa-Muralhas, publicado em 1941 pelo escritor francês Marcel Aymé. A história narra a vida de Dutillieu, um funcionário público medíocre que descobre o poder de atravessar paredes. Após usar essa habilidade para se vingar das humilhações sofridas e roubar os cofres da cidade, ele é preso, mas escapa repetidas vezes atravessando as paredes da prisão.
Livre de um casamento opressor, Dutillieu se apaixona e conquista sua amada – até que, num dia, após uma noite de amor, perde seu dom. Ao tentar atravessar uma parede de casa, fica preso nela para sempre.
Marcel Aymé, romancista e dramaturgo francês, foi meu encontro inesperado em Montmartre, entre turistas chineses, muralhas com uma escultura incrustada numa parede. Paris, chineses, muralha, poder de transformação e paixões... Viajar é muito bom.