'O Olho Mais Azul'
por Márcia Intrabartollo
Comecei a leitura do livro “O Olho Mais Azul” assim que o recebi. Voltei na infância, quando ouvia frases como: “Que sorte ter olhos azuis”, “A moça já é tão bonita, imagine se tivesse olhos azuis!” ou “Parece um anjo com esses olhos”.
Na adolescência, sonhava que os meus fossem verdes ao invés de castanhos, e imaginava cenas em que levantava o rosto e, uau, meus olhos maravilhosos surpreendiam a todos. Escutaria interjeições de admiração. Ficaria nas nuvens.
Parece inofensivo elogiar o belo, mas beleza é só um padrão como tantos outros padrões perversos que classificam e escravizam. De uns tempos para cá, a Pantone anuncia as cores do ano seguinte, ou melhor, as cores com as quais o mundo será padronizado no ano seguinte, aquecendo vendas de vestuário, maquiagem, decoração e afins.
O livro “O Mito da Beleza”, Naomi Wols traz que, entre outras formas, a opressão também se expressa a partir de mitos de aparência, saúde e desempenho impossíveis de serem alcançados na vida real. “O Olho Mais Azul” vai muito além: a autora, Toni Morrison (foto), usa o padrão de beleza para pôr o dedo na ferida do racismo. Seu livro traz a indisposição de aceitar com humanidade, acima de qualquer padrão.
Pecola é a personagem principal, uma menina que não corresponde nem aos padrões essenciais e desejáveis de vida, nem aos criados para diferenciação.
As primeiras páginas são uma pedreira, nem tanto pelas palavras postas, mas pelas estrategicamente escondidas, subentendidas, o dito pelo não dito, o feito pelo não feito. Tememos o que vem, mas a potência do texto nos puxa para as próximas páginas.
Se tivesse olhos mais azuis do que os das mulheres e bonecas brancas, Pecola não seria mais rejeitada. Com tal esperança, atravessa o livro suportando tudo. Não fosse o lirismo e estética únicas do livro, seria duro acompanhar tal jornada.
É isso e as nuances interiores que tornam “O Olho Mais Azul” especial: como pensa, sente e reage uma criança em quem a falta de amor e de aceitação perpetuadas criam profundas raízes de desumanização.
Este é
o livro de estreia da primeira negra a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura. É para ser lido de coração aberto.
* Márcia Intrabartollo é cronista e jornalista.
Este texto não reflete necessariamente a opinião do Portal Raiz Trabalhista.