O lento caminho para eliminar o amálgama dentário
* Jeffer Castelo Branco
Mercúrio na minha boca, não! O mercúrio é um metal líquido muito volátil que evapora mesmo a temperaturas negativas, conhecido pelo homem há pelo menos três mil e quinhentos anos. A partir da revolução industrial sua produção e uso passaram a ser cada vez mais crescentes na indústria e na extração do ouro, passando em seguida a participar das atividades humanas urbanas, por exemplo, em aparelhos eletroeletrônicos, termômetros, aparelhos hospitalares, lâmpadas fluorescentes do tipo soft e tubulares e até mesmo nas obturações dentárias.
Pesquisas passaram a revelar que uma vez liberado pelas diversas atividades humanas o mercúrio metálico pode se transportar para regiões longínquas ao redor de todo o planeta. E o uso crescente fez com que o metal fosse se acumulando na biosfera, passando a estar ambientalmente disponível, causando sua bioacumulação na cadeia alimentar e por conseguinte, atingindo os organismos de animais e humano.
Disperso no ambiente o mercúrio metálico pode interagir com outras substâncias químicas e assumir formas inorgânicas e orgânicas ainda mais perigosas, todas as suas formas causam impactos ambientais adversos e são tóxicas para o organismo animal e humano, podendo causar danos ao sistema endócrino, sistema nervoso, rins, reprodução e o câncer.
Em razão desse quadro uma Convenção Internacional foi construída com o envolvimento de cientistas de todo o mundo. Mais de cento e vinte países são signatários dessa Convenção, inclusive o Brasil por meio do Decreto do Executivo nº 9.470, de 14 de agosto de 2018, editado após a ratificação da Convenção pelo Congresso Nacional.
A convenção para o controle e eliminação do mercúrio recebeu a denominação de Convenção de Minamata, em referência ao caso da intoxicação e severos danos causados às pessoas atingidas por uma de suas formas, a orgânica (metilmercúrio), que foi despejada na Baia de Minamata no Japão, oriunda da produção de acetaldeído da indústria Chisso Corporation. Assim, o Artigo número 1 (um) da Convenção reflete todo o potencial nocivo do mercúrio: “O objetivo desta Convenção é proteger a saúde humana e o meio ambiente das emissões e liberações antropogênicas de mercúrio e de compostos de mercúrio”.
Entre os vários setores que devem cessar a produção ou produtos que utilizam o mercúrio, conforme determina a Convenção, estão as lâmpadas e os termômetros, cuja produção está proibida desde 2020 e as indústrias de cloro-álcalis (cloro e soda) que deverão eliminar as suas células de mercúrio até 2025.
Na linha de redução e eliminação do mercúrio está o uso do amálgama dentário com mercúrio utilizado nas obturações dos dentes de homens, mulheres, crianças e idosos em função dos riscos que esse metal comporta ao meio ambiente, à saúde de profissionais e das pessoas que utilizam esse tipo de restauração.
Nos países da Europa* já vem sendo estabelecida a proibição do uso do amálgama com mercúrio nos dentes de mulheres grávidas, lactantes e crianças menores de 15 anos. Sendo assim, vários países já anunciaram planos para a eliminação do amálgama com mercúrio: Itália, Nepal, Filipinas, Finlândia, Irlanda, Holanda, República Tcheca, Eslováquia e Moldávia. Outros já eliminaram totalmente, como a Suécia, Noruega e Dinamarca.
Em novembro de 2021 ocorrerá a 4ª Conferência sobre Convenção de Minamata (COP-4) em Bali na Indonésia. E o Brasil, com a sua diplomacia externa à míngua, não oferece nenhuma medida nova para proteger de fato o meio ambiente e a população do mercúrio contido no amálgama dentário, não está propondo ações imediatas para proteger populações vulneráveis e nenhuma data de eliminação total.
É necessário que a classe política do país, nos três níveis de governo, envide esforços para que o Brasil apresente medidas mais eficazes na COP-4 aprovando emergencialmente medidas que proíbam o uso do amalgama dentário em mulheres grávidas, as que pretendam engravidar, lactantes, crianças menores de 15 anos e as pessoas com doenças pré-existentes nos rins, sistema neurológico e as com sensibilidade ao mercúrio, como recomenda a FDA (Administração norte-Americana de Alimentos e Drogas) **.
É preciso que o Poder Público promova saúde e equidade, sobretudo no serviço público de saúde, eliminando o mercúrio da odontologia e fazendo com que substitutos ao amálgama sejam disponibilizados a toda a população, inclusive às mais vulneráveis socialmente que não estão tendo acesso às restaurações sem mercúrio.
Há uma petição exigindo e apoiando medidas mais eficazes do governo brasileiro. Ela pode ser assinada em: https://bit.ly/3pcVxeH. Faça a sua parte assinando a petição e ajudando despoluir o planeta e protegendo a sua saúde, de seus entes queridos e de seus amigos!
* Jeffer Castelo Branco é técnico em meio ambiente, graduado em Serviço Social, mestre em ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Análise Ambiental Integrada da Unifesp, doutorando em Ciências da Saúde pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências da Saúde da Unifesp, membro do Núcleo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Saúde Socioambiental da Unifesp e diretor da Associação de Combate aos Poluentes (ACPO).
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*Decisão (UE) 2019/2135 do Conselho de 21 de novembro de 2019 - https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32019D2135& from=EN.
** FDA - https://www.fda.gov/medical-devices/dental-devices/dental-amalgam-fillings.