O cheiro da chuva
por Márcia Intrabartollo
Os tucanos deixaram de ser novidade por aqui. Sua imagem ainda é extravagante, mas não mais festiva. O espanto com a gradual chegada deles deu espaço a um quê de tristeza, como se agora engrossassem a fila de pedintes.
De uns tempos para cá eu não tenho visto muitos pardais. Os tucanos devem ter feito a festa com seus ovos pequeninos.
Não parece ter sido bom negócio para nenhum dos dois. Aqui está de matar. Os fundos e traiçoeiros lagos da zona leste já estão praticamente secos. Tem o calor que só aumenta e as águas que não chegam como antes. Os lagos são afloração do Aquífero Guarani, de cujas águas puríssimas Ribeirão Preto se serve para tudo, inclusive para varrer, com a mangueira, a fuligem de cana.
Por isso, a anunciação da chuva foi tão bem-vinda na região castigada há meses pelo calor, secura e pelos incêndios, que vinham deixando bichos machucados e perdidos, sem abrigo, comida e água, ou mortos.
Antes da chuva chegar, porém, uma imensa nuvem de poeira tomou a cidade. Era o vento trazendo a terra do solo usado nas plantações de cana-de-açúcar, e que estava nu, à espera da chuva para o replantio. Só que este ano, falo de 2021, a chuva se atrasou e o solo ficou um bom tempo descoberto, tal e qual um deserto de terra vermelha, que faz bem de ter essa cor, sangue brotando de um corpo esfolado.
Se não fosse a monocultura, isso não teria acontecido.
Antes a geografia da região tinha ondulações, um morrinho aqui, um declive ali, pocinhas de água acumulada. Mas as máquinas agrícolas requerem terreno plano.
Antes a vegetação era diversificada, cada uma com seu tempo e dinâmica.
Se não fosse a falta de gestão do meio ambiente, explicitado no descaso com os incêndios criminosos, desmatamento ilegal, desmonte da legislação ambiental e seus impactos - o relógio das chuvas e temperatura não estaria desregulado. Isso não estaria acontecendo.
Não é por acaso que há mais tucanos e menos pardais na cidade.
Nem que o cheiro da chuva trazida pelo temporal de terra fosse igual ao cheiro de chiqueiro de porcos.
Não é por acaso que a preciosa água do Aquífero Guarani esteja baixando.
Nem que o céu de Ribeirão tenha ficado negro durante os incêndios na Amazônia e Pantanal.
Já passou da hora de deixarmos de aceitar as necessidades econômicas como as únicas válidas. Há muitas outras.
Os seres daqui só tem esse planeta para morar.
* Márcia Intrabartollo é cronista e jornalista.
Este texto não reflete necessariamente a opinião do Portal Raiz Trabalhista.