Minha Biblioteca Sou Eu
Marcio Aurelio Soares*
E os livros conspiram a meu favor.
Algo em torno de 12 anos atrás, resolvi me desfazer dos meus livros. Não foi uma decisão fácil. Eram livros acumulados durante uma vida. Livros de medicina que àquela altura, já estavam obsoletos, mas faziam parte de minha formação profissional. Livros de história, um tema pelo qual sempre me interessei. História do Brasil e universal, e história da medicina, como os livros “Um médico do Brasil Colônia”, ou “A História da Humanidade contada pelos Virus”. Outro livro cuja leitura me marcou muito e que indiquei para inúmeras pessoas, além de ter dado de presente para outras, é da autora Taylor Caldwell, que retrata a vida do médico Lucas de forma romanceada, com uma riqueza de detalhes e uma narrativa emocionante, mesmo para mim, tão afastado das coisas da igreja. Emprestei-o para algumas pessoas, até que a última delas custou a me devolvê-lo. Comentando com uma senhora amiga de 93 anos, ela também uma leitora contumaz, sobre o aborrecimento que sentia pelo atraso na devolução do livro, ela me disse: “Você já o leu, agora deixe-o andar. Permita que outras pessoas tenham a mesma experiência que você com esta leitura.”
Não era raro o dia em que, em meu escritório, eu contemplava aquelas lombadas de livros, lembrando o quanto aprendi com eles e a afinidade que me proporcionavam.
Até que chegou o dia. Liguei para um padre amigo que fazia uma obra cultural interessante na cidade e capitulei. Venha buscar meus livros, faço-o andar nas periferias. Ah, leve também minha bateria, uma Pearl e os pratos Sabian B8 Pro. Não os tocava mais, ficavam ao centro do escritório, como uma lembrança de uma adolescência já adulta.
Foi uma grande parte dos meus livros, da minha bateria e dos seus pratos. Senti um vazio que sublimei a fim de não sofrer com uma decisão já tomada, cujo destino compensava o sentimento de perda. Não sabia eu, que aquela decisão fazia parte de uma revolução que transformaria minha vida.
Reconstruído das perdas, a material aqui descrita, já compensada, e de outras, refiz a vida e a biblioteca, com novo amor e novos livros.
Confesso que, para mim, as redes sociais tiveram um impacto enorme. Os livros foram deixados de lado, traídos pela tecnologia. Li menos do que deveria e mais do que gostaria, atraído que fui pelo feed do Instagram. No entanto, esta semana vi uma publicação do ator Antônio Fagundes, de quem sou fã, afirmando que era apaixonado por Alberto Manguel, um autor argentino que acompanhou lendo para Jorge Luís Borges por cinco anos, um dos maiores escritores do mundo, que ficou cego precocemente. A partir daí, começou a escrever sobre leitura e literatura, tendo escrito o livro 'Notas para a definição de um leitor ideal', que Fagundes indica em seu post.
Simultaneamente, acabei de ler o livro 'Geógrafo do Tempo', de Ary Quintela, embaixador brasileiro na Malásia. É um livro que reúne 16 ensaios sobre viagens, artes plásticas e livros, baseados nas experiências vividas pelo autor. No ensaio “O Peso do Universo”, ele cita exatamente Alberto Manguel, que, em seu livro “Com Borges”, refere-se ao período que viveu com o grande escritor e comenta que uma biblioteca particular é como a autobiografia de seu proprietário. Sendo isso verdade, minha biblioteca de hoje e de antes é um reflexo de quem fui e de quem sou. Lendo novos livros, vivendo novas experiências, amando o que faço.
* Autor de "Sala de Espera -Crônicas de um Médico, "Plantador de Tâmaras" e, mais recentemte, de "Os 50 Anos da Revolução dos Cravos sob o Olhar de um Brasileiro".