COALHADA
COALHADA
Marcio Aurelio Soares
Toda a minha geração o conhece – talvez a anterior também. Escritor, roteirista, artista plástico, ator: Chico Anysio, um dos maiores do humor brasileiro, fez história com seu programa semanal Chico City. Genial. Com mais de 300 personagens, quem não se lembra de Pantaleão, velho contador de história? “É mentira, Terta? Verdaaaade”, ela respondia. Tim Tones, o pastor charlatão? Ou O Baiano e os Novos Caetanos, sátira aos tropicalistas, feita em parceria com Arnaud Rodrigues?
Mas meu corte temporal é o fim dos anos de 1970. Também o início do declínio da ditadura, que sistematicamente torturava e matava jovens universitários, artistas, jornalistas e intelectuais. Enquanto Chico satirizava na TV, o Caderno B do Jornal do Brasil era trincheira de resistência, reunindo vozes como Tarik de Souza, Nelson Rodrigues, Ruy Castro, Drumond e Clarice Lispector. Era um tempo de retomada – política, sindical e cultural.
Foi nesse contexto que meu personagem ingressou na faculdade de medicina, ainda se recuperando de uma doença neurológica que lhe deixara sequelas motoras. Em 1977, os tradicionais trotes violentos aos calouros deram lugar à solidariedade. Ao invés de cabeça raspada, acolhimento no curso superior. Quando ele chegou – ainda arrastando as pernas –, os veteranos o pouparam. Até que um brincalhão gritou: "Pique no lugar, flexão!". E ele, mesmo com dificuldade, entrou na brincadeira. Assim nasceu Coalhada, inspirado no personagem de Chico Anysio. Os veteranos improvisavam entrevistas pós-jogo:
— Coalhada, outra derrota. O que houve?
— O gramado tá fofo, rapaz! A chuteira afunda! Como vou fazer gol assim?
— Mas você perdeu um pênalti... — Errado! Foi tática! Queria acertar o satélite pra cortar o sinal da TV adversária! Na Europa isso é comum!
— Jogou na Europa? — Claro! No Transilvânia F.C.! Fui artilheiro três vezes... só não ganhei a chuteira de ouro porque o carteiro perdeu meu endereço!
- E sobre o apelido “Terror das Zagas”?
- É isso aí! Quando eu entro em campo, a zaga adversária fica apavorada! Um já pediu pra sair, outro chorou, e o terceiro... o terceiro pediu autógrafo! Eu sou o Coalhada! Lenda viva! Ídolo até na várzea!
Como Coalhada, dirigiu o Departamento Cultural do Diretório Acadêmico, época em que colaborou com a organização de festivais de poesia, música e teatro dentro da escola. Neste caso, como em tantos outros, o riso e a solidariedade fizeram uma revolução