Sobre o militante trabalhista
Julio Batista*
Estou em um partido a qual muito me identifico. O Partido Democrático Trabalhista é um partido cuja história se confunde com a do Brasil republicano, aberto à centro-esquerda e à esquerda, alinhado às ideologias trabalhista, socialista democrática e social-democrata, sendo nacionalista, progressista e desenvolvimentista.
Foi erguido por grandes líderes comprometidos, rebeldes, corajosos, honestos, preparados, experientes e inteligentes da tradição democrática e nacional-popular e responsáveis por progressos estruturais em nosso país; entre eles: Leonel Brizola, Darcy Ribeiro, Getúlio Vargas, João Goulart, Alberto Pasqualini, Rubens Paiva, Abdias do Nascimento, San Tiago Dantas, Mário Juruna, Francisco Julião, Vânia Bambirra, Doutel de Andrade, Neiva Moreira, Guerreiro Ramos, Carlos Alberto Caó, Beth Carvalho, Alceu Collares, Jackson Lago, Sérgio Macaco, Ciro Gomes, Nelson Marconi, Antonio Neto, Lélia Gonzalez, Danilo Groff, Therezinha Zerbini, Rafael Weree, Carlos Lupi, Duda Salabert, Manoel Dias, Edialeda do Nascimento, Ivo Gomes, André Figueiredo, Sinval Bambirra, Theotônio dos Santos, Bautista Vidal e Luís Carlos Prestes como nosso presidente de honra.
Somos responsáveis pela Revolução de 1930, pelo fim da República Oligárquica, pelo voto feminino, voto secreto, código e justiça eleitoral, maiores períodos de industrialização e produtividade econômica do país, luta sindical, salário mínimo, Justiça do Trabalho, estímulo e manutenção do cooperativismo, assistência médica e dentária, assistência remunerada a trabalhadoras grávidas, proibição do trabalho infantil, indenização para trabalhadores demitidos sem justa causa, CLT, CTPS, semana de trabalho de 48 horas, igualdade salarial entre os gêneros, sábado livre, férias remuneradas, IAPs, primeiro Código Florestal do Brasil, primeiro Código das Águas, Código do Ar, Código da Pesca, Amazônia Legal, FEB, IBGE, IPHAN, DASP, Universidade do Distrito Federal, Universidade do Brasil, CNPq, CAPES, INPA, DCTA, Vale do Rio Doce, CSN, Petrobrás, Eletrobrás, BNDES, resistência aos golpes e ditadura militar (incluindo a armada), reformas de base (agrária, urbana, educacional, fiscal, eleitoral e bancária), recorde de 6.300 escolas construídas no Rio Grande do Sul, CRT, CEEE, Caixa Econômica Estadual do Rio Grande do Sul, Universidade de Brasília, 13º salário, primeiro indígena eleito a deputado federal, CIEPs, Sambódromo do Rio de Janeiro, Universidade do Norte Fluminense, Lei Caó, lei da participação nos lucros e resultados, revolução educacional no Ceará (em 2018, com 82 das 100 melhores escolas públicas do Brasil pelo Ideb), e muito mais.
Temos diversos núcleos de base, divididos em movimentos como o feminista (Ação da Mulher Trabalhista), da juventude (Juventude Socialista), LGBTQIA+ (PDT Diversidade), indígena (Movimento Indígena do PDT), comunitário (Movimento Comunitário Trabalhista), cristão (Movimento Cristãos Trabalhistas), cultural (Movimento Cultural Darcy Ribeiro), sindical (Movimento Sindical), ambientalista (Ecotrabalhismo), negro (Movimento Negro), pró-anistiados (Movimento Pró-Anistiados), dos povos tradicionais de matriz africana (PDT Axé), dos aposentados (Movimento dos Aposentados) e pela educação (Movimento Trabalhista Pela Educação), todos em torno da unidade nacional e em prol do projeto nacional e sistêmico de desenvolvimento.
Mas o que é o trabalhismo? Isso não sou eu que vou explicar, mas dois grandes trabalhistas – Alberto Pasqualini, o primeiro a formular a doutrina trabalhista brasileira, e Leonel Brizola, fundador do PDT e um dos ideólogos do socialismo moreno:
“Poderíamos, pois resumir, os princípios gerais do trabalhismo nos seguintes termos:
a) o trabalho [entendido aqui como qualquer forma de atividade socialmente útil] é a fonte principal e originária de todos os bens produzidos. A função destes é a satisfação de necessidades. O valor dos bens reside portanto, na sua utilidade e no trabalho que concorre para produzi-los.
b) a coletividade humana é um sistema de cooperação. A cooperação realiza-se pelo trabalho e para que a cooperação de cada membro da coletividade se torne efetiva, é necessário que se traduza por uma atividade socialmente útil, isto é, que traga benefícios não apenas a quem exerce mas também aos demais membros da coletividade e contribua, por esta forma, para o aumento do bem-estar geral.
c) a forma de cooperação é um intercâmbio de trabalho. Quem de útil nada produz, nada tem a permutar.
d) o poder aquisitivo deve ser a contrapartida do trabalho socialmente útil. Esse trabalho é o único e verdadeiro lastro da moeda. A posse de poder aquisitivo, que não deriva dessa forma de trabalho, representa uma apropriação injusta do trabalho alheio e caracteriza-se como usura social.
e) o objetivo fundamental do trabalhismo deve ser a eliminação crescente da usura social e alcançar uma tal organização da sociedade onde todos possam realizar um trabalho socialmente útil de acordo com suas tendências e aptidões, devendo a remuneração graduar-se pelo valor social desse trabalho, com a garantia de um mínimo dentro dos padrões de nossa civilização, para as formas de trabalho menos qualificados.”
– PASQUALINI, Aʟʙᴇʀᴛᴏ. Bases e Sugestões de Uma Política Social. In: Obras Completas, vol. 1. Rio Grande do Sul: Editora Palloti, 1994, pp. 88-89
“Compreendo o trabalhismo como o primado dos valores do trabalho, a luta contínua para aumentar a participação dos trabalhadores na riqueza social, opondo-se a toda e qualquer forma de exploração do homem pelo homem, de classes sociais por outras classes sociais e de nações por outras nações. Desse modo, o trabalhismo expressa, fundamentalmente, as aspirações de todos os que dependem do trabalho para viver, isto é, dos trabalhadores das cidades e dos campos, dos assalariados em geral, bem como dos agricultores e dos que vivem da prestação de serviços, sem distinção da natureza de suas tarefas.”
– BRIZOLA, Lᴇᴏɴᴇʟ apud BANDEIRA, Mᴏɴɪᴢ. Brizola e o Trabalhismo. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 204 pp.
Ao meu ver, há dois tipos de trabalhistas ideologicamente comprometidos no partido:
- O social-democrata – O social-democrata defende o capitalismo solidarista como proposto por Alberto Pasqualini, com o Estado democrático de direito e de bem-estar social e a promoção da democratização do regime de propriedade, coexistindo com a livre iniciativa, com a garantia da propriedade privada e o apoio a pequena e média empresa nacional, além da defesa da intervenção do Estado na economia (economia mista, planejamento, desenvolvimentismo e controle público de setores básicos e estratégicos), mas como poder normativo, e a proposta sindical baseada na liberdade e na autonomia sindicais.
Tudo isso que foi descrito o próximo tipo de trabalhista também defende, porém…
- O socialista – O socialista enxerga o trabalhismo como caminho brasileiro para o socialismo democrático. A social-democracia é vista como uma fase transitória ao socialismo, assim como pretendia a social-democracia clássica. Enxergamos o socialismo como garantia de desenvolvimento econômico, político e social para as maiorias nacionais dos países dependentes, porque é o sistema que garante a eliminação da exploração dos trabalhadores e a consequente eliminação da pobreza e miséria. Como diria Brizola (1979):
“É o socialismo que nós buscamos. A socialização das estruturas econômicas, porque nosso desenvolvimento só começará a existir quando for feito pelas mãos do nosso povo […] Com formas de gestão sociais das empresas, como o cooperativismo, as estruturas capitalistas de exploração tendem a desaparecer. A sociedade igualitária é o nosso objetivo final, que está lá na frente”. Dessa forma, Leonel Brizola, Darcy Ribeiro e Abdias do Nascimento e os ditos brizolistas seriam conhecidos como socialistas morenos, de um socialismo de feição brasileira.
No cenário de polarização, ou seja, um cenário bipolar onde dois polos ideologicamente distantes dominam a política: o petismo e o antipetismo. O último tem vertentes muito mais radicalizadas no ódio e na ideologia do extermínio, tendo diversos frutos, incluindo a falta de debate público responsável pelo reacionarismo. O primeiro é uma ideologia social-liberal importada baseada na Terceira Via de Anthony Giddens (por isso a esquerda socialista cunhou o termo “petucanismo”, de PT e PSDB, pois ambos os partidos estão fundamentados nesse pensamento), um “udenismo de esquerda” com a cooptação de minorias organizadas; enquanto o outro foi dominado por um fenômeno fascistoide à la Pinochet (o neoliberalismo casando com o fascismo de terceiro mundo). O que ambos têm em comum é o modelo econômico (tripé macroeconômico, rentismo, desindustrialização, prioridade ao estímulo a oferta do que aos investimentos e equipes econômicas com a mesma orientação e até mesmos membros), o modelo de governança (alianças dependentes com o fisiologismo do “centrão”, incluindo com velhos criminosos conhecidos, desfalcando a democracia participativa) e a ausência de projeto de nação.
O que esse embate reúne? Uma despolitização enorme da sociedade e da própria política e a ausência de alternativas, acarretando, claro, a ausência de um projeto nacional, de reformas de base e de um debate racional, claro e honesto, reunindo diversos setores da sociedade, sobre as questões mais urgentes do país. Apesar da despolitização, é evidente o comprometimento ideológico de uma boa parcela de seus militantes. Porém, o que contribui para esse cenário é que dogmatismo e fanatismo também fazem as pessoas ser ideologicamente comprometidas. Não são todos que se enquadram nisso e, claro, isso também pode servir de autocrítica para membros do meu partido. Mas o embate de polos é alimentado por isso e, por ser uma situação bipolar, isso só se fortalece; sendo que um dos lados tem a tirania típica da extrema-direita.
Com a polarização, muitas pessoas querem alternativas, querem honestidade, experiência e coragem e querem um debate racional, claro e honesto, reunindo diversos setores da sociedade, sobre as questões mais urgentes do país. E, pelo destaque do Partido Democrático Trabalhista e de seus quadros, muitos acabam se interessando e aproximando do partido. E, obviamente, muitos não tem formação ideológica no trabalhismo. O que fazer diante disso? Devemos só buscar pessoas ideologicamente comprometidas? Devemos dar destaque a novatos?
Primeiramente, o filiado deve estar de acordo com nosso estatuto, manifesto e projeto de nação; nisso, o básico do partido é apresentado, compreendido e aceito. Em segundo lugar, para ter destaque (e disputar cargos políticos importantes) a pessoa deve ter bom histórico, bons exemplos, boas ideias e boa atuação (seja na militância, na gestão ou no mandato). Em terceiro lugar, ao mesmo tempo, devemos trabalhar na formação ideológica, apresentando nossas doutrinas, nossa história, nossos líderes (históricos e atuais) e nossos movimentos, permitindo nossos quadros compreender a orientação e a política interna e externa, fortalecendo a fidelidade ideológica e partidária, garantindo que tudo seja levado a sério e que não haja “dupla militância”, ou seja, se orientar por outros movimentos com regras e programas próprios que são distintos e contraditórios ao do partido. Os filiados mais centristas (centro progressista e centro-esquerda), naturalmente, se aproximam do trabalhismo social-democrata; os filiados mais de esquerda, naturalmente, se aproximariam mais do trabalhismo socialista. O socialismo do PDT não exclui a social-democracia e as duas abordagens se completam. Essas abordagens são diversas, mas a democracia interna do partido e nossos princípios, valores e história devem ser respeitadas; juntos estaremos unidos no trabalhismo, no nacionalismo, na democracia, na unidade partidária e nacional e em prol do nosso projeto nacional e sistêmico de desenvolvimento nacional.
* Rormado em História pela Universidade Católica de Santos e em roteiro especializado em Cinema, TV e WebTV e videoclipes pela TecnoPonta.