Ciro Gomes e o PDT: o casamento perfeito em prol de um projeto nacional de desenvolvimento
Por Cássio Moreira
Partindo da visão de Moniz Bandeira, que o trabalhismo é a versão brasileira da social-democracia europeia escrevi em artigos anteriores que o PT, a partir de 2006-2007, começou a se tornar um partido trabalhista (social-democrata).
O PT surgiu fruto da organização sindical de operários no final da década de 1970, dentro do vácuo político criado pela repressão do regime militar aos partidos comunistas tradicionais e aos grupos armados de esquerda existentes. Desde a sua fundação, apresenta-se como um partido de esquerda que defende o socialismo como forma de organização social. Contudo, seu principal líder nunca defendeu abertamente esse pensamento. Durante boa parte da sua existência, sempre teve uma postura crítica ao reformismo dos partidos políticos social-democratas (trabalhistas).
Sempre houve uma certa rivalidade entre os dois, entretanto muito é verdade por falta de compreensão histórica do antigo PT. Considero um erro histórico o PT e Lula não terem apoiado Brizola à presidência da república em 1989 e a formação da chapa Ciro-Haddad na na eleição de 2018. Portanto, parte da responsabilidade da eleição de Bolsonaro é fruto dessa priorização aos interesses da manutenção do Partido dos Trabalhadores na liderança do campo de centro-esquerda impedindo que outro partido ascendesse para essa posição;
Embora, após a redemocratização, foi o PT foi partido herdeiro das massas do velho PTB (e o PDT o herdeiro ideológico), foi apenas a partir do final do primeiro mandato do governo Lula que passou a tronar-se um partido social-democrata. De um primeiro governo (2003-2006) social-liberal passou a ganhar contornos de partido social-democrata (trabalhista) no segundo mandato de Lula (2007-2010).
O Brasil mudou muito nos 14 anos da Era Petista. Pela primeira vez conseguimos manter um período de crescimento com distribuição de renda. As políticas de inclusão social foram os grandes méritos desses governos. Entretanto, muitas questões ainda ficaram na pauta do dia. Como reformas estruturais e a desindustrialização do país.
Se é verdade que o saldo dos governos do PT são mais do que positivos. O saldo negativo é um profundo desgaste político, com a ausência injustificada de melhores comunicações sociais, e que alimentaram a crise econômica atual. Natural para um partido que há tanto tempo estava no poder e que é atacado de forma articulada e sistêmica pelos meios de comunicação, cujo objetivo principal é desconstruir um partido para barrar um projeto nacional de desenvolvimento.
O desafio posto é como manter e aprofundar um projeto trabalhista num contexto político cada vez mais conservador. A questão chave é continuar o projeto, e aprofunda-lo, trocando o partido que o encabeçará?
Além da possível candidatura de Lula do PT para 2022, surge uma nova esperança nas forças progressistas: o casamento perfeito entre Ciro Gomes e PDT. O primeiro pode ter trocado de partido várias vezes, mas nunca trocou de lado. O segundo é o herdeiro teórico do trabalhismo autêntico e um partido orgânico e, conjuntamente com seu co-irmão, o PT, com construção teórica de esquerda.
O PT vive, assim como os demais partidos, um problema de renovação de quadros. O fato de ter sido governo por tanto tempo traz ao partido uma tendência de ir perdendo espaço no campo eleitoral. Seria muito bom, inclusive para o próprio PT, que surgissem forças políticas consistentes à sua esquerda. A alternativa existente, encabeçada por Ciro Gomes e o PDT ainda está tentando superar o pragmatismo, a heterogeneidade nas votações parlamentares em prol dos interesses dos trabalhadores e a obsessão em eleger o PT como principal inimigo. Felizmente possui um projeto consistente e viável à esquerda (baseado na doutrina trabalhista, pois esse é o único projeto viável de esquerda dentro do espectro capitalista).
O PDT pode e deve ser essa alternativa. Mas pra isso NÃO deve ser uma alternativa ao PT ou antipetista, e sim uma alternativa de esquerda e não ao PT. Deve crescer cada vez mais ao lado do PT e, aos poucos e de forma natural, ser a continuação (e o aprofundar) o projeto trabalhista (inclusive com o apoio do próprio PT).
Esse projeto trabalhista atual tem como núcleo o fortalecimento do Estado, da distribuição de renda. O PDT é um partido que pode, finalmente, construir condições para avançar para as sempre atuais Reformas de Base.
Em síntese, o projeto trabalhista iniciou com Vargas, depois houve uma tentativa de aprofundamento com Goulart do PTB antigo, e estava sendo resgatado com Lula-Dilma do PT até a crise política de 2015, iniciada (direcionada e planejada) por meio das Manifestações de Junho de 2013. Mas deve ser continuado com Ciro Gomes e o PDT.
Conforme palavras da presidenta Dilma na campanha em 2010: ”Nós podemos dizer hoje que somos (PT e seu aliado PDT - que fez parte do governo com ministérios e muitos cargos comissionados) a continuidade desse processo” (referindo-se a história do trabalhismo) e cita que o objetivo do seu governo é mesmo do governo do ex-presidente João Goulart: “promover progresso com Justiça, desenvolvimento com distribuição de renda”.
Em outro discurso na campanha de 2014 faz questão de citar conquistas sociais e econômicas promovidas pelos governos dos presidentes Getúlio Vargas e João Goulart – como a criação da Petrobras, da Vale do Rio Doce e do BNDES e, também, a permanente luta de Brizola e Darcy Ribeiro pela educação pública de qualidade. Dilma salienta a importância e o legado de Getúlio Vargas. “Sem ele não teríamos o Estado nacional e a sua estrutura que temos hoje”. Sobre João Goulart, classificou-o como “um democrata que construía consensos” e que colocou no centro dos debates pautas que até hoje são exigidas pela população. Para definir Darcy Ribeiro, Dilma afirmou que foi “o homem capaz de pensar a Universidade de Brasília, como ela é hoje, e de também projetar os Cieps (Centros Integrados de Educação Pública)”. Por fim, emocionada, referiu-se a Leonel Brizola como o político da legalidade e que “deu início a política de expansão da educação”.
Continua citando que uma das maiores contribuições do PT a esse projeto é a diminuição das desigualdades sociais alcançada nos últimos anos. Segundo ela, houve um aumento expressivo do salário mínimo real. “Enquanto a renda per capita cresceu para os mais pobres, daqueles que saíram da miséria e ascenderam socialmente. Por isso, conseguimos diminuir as desigualdades sociais (que é um problema histórico) nos últimos anos”, enfatizou. Nesse mesmo discurso a presidenta associou a antiga União Democrática Nacional (UDN) (que fazia oposição aos governos de Getúlio e de Jango) com os principais oposicionistas ao governo do PT que são o PSDB e o DEM e faz outro elo com o trabalhismo de Vargas e Goulart. Afirmou que o trabalhismo conhece todas as artimanhas e o golpismo dos nossos adversários. Da UDN, no passado, aos opositores atuais”, declarou Dilma. No segundo mandato, essa visão é reforçada desde o início com a escolha do lema do novo governo “Brasil, Pátria Educadora”, sendo que Dilma afirmou, em discurso de posse, que essa frase sintetiza a educação como prioridade de seu governo. Inclusive trouxe para ministro da educação, o atual senador Cid Gomes, que depois foi demitido cedendo as chantagens de Eduardo Cunha.
Dilma faz parte de uma corrente (não-oficial) trabalhista dentro do PT. Entretanto, pela proximidade dela com Lula, e pela influência deste dentro do partido, faz com que o trabalhismo tenha sido revisto. Não mais como populismo, mas sim como a alternativa viável de esquerda para o Brasil. Lira Neto afirma que o PT “encarnou” a herança do projeto nacional-desenvolvimentista de Getúlio Vargas. “Lula, queiramos ou não, é junto com Getúlio a personalidade mais popular de toda história brasileira”. Segundo o autor da mais recente biografia do ex-presidente gaúcho, o governo do PT tem ideias semelhantes às de Getúlio ao defender um Estado interventor.
Afirmou Lula no dia 30 de agosto de 2007 durante uma reunião ministerial: “estou convencido de que as realizações sociais e econômicas e de projeto de país só terão comparação com o governo do presidente Getúlio Vargas”. Em outro discurso no sindicado dos trabalhadores de Processamento de Dados de São Paulo em 2010 Lula afirmou que: “muitas das coisas boas que temos (devemos) à coragem de Getúlio Vargas, à visão de Estado que tinha Getúlio Vargas. Estamos convencidos de que Getúlio prestou esse serviço ao Brasil. Lamentavelmente, uma parte da elite brasileira, inclusive uma parte da elite intelectual, (vive) inconformada porque não conseguiu ganhar o golpe de 32 que chamam de revolução. Aquilo foi uma tentativa de golpe. Não se conformam. É muito triste aqui em São Paulo a gente não encontrar uma rua com o nome de Getúlio Vargas”. E mais adiante completou: “Eu tenho divergências com Vargas na questão da estrutura sindical (…) mas eu sou capaz de ter divergências com um companheiro e não ver só defeito, ver as virtudes que a pessoa tem. Eu acho que Getúlio foi um excepcional presidente deste país”.
A convocatória para o 5º Congresso do PT teve o seguinte texto: “a história do século XX e dos primeiros anos deste século mostra como as classes dominantes e seus aparelhos reagem contra governos que vão na contramão de seus interesses particulares. A partir de 2003, de forma intermitente, o oligopólio dos meios de comunicação no Brasil tratou-se de anular os notórios êxitos do Governo, com campanhas que procuravam ou desconstruir as realizações do Governo Lula ou tacha-lo de ‘incapaz’ e ‘corrupto’. Sabe-se que denúncias sobre corrupção sempre foram utilizadas pelos conservadores no Brasil para desestabilizar governos populares, como os casos de Vargas e Goulart”.
Getulío Vargas, João Goulart, de certo modo JK, Lula e Dilma. Todos tem como adversário comum o liberalismo. Ciro Gomes e PDT também. Entretanto, o grande cuidado que o PDT deve ter, e o risco ainda não tem mensuração, é de que as forças conservadoras de direita dentro do PDT (existem também no PSB) desconfigurem o partido de forma a enfraquecer o acumulo de forças necessário para aprofundar o projeto trabalhista (que está paralisado com guinada ao país à extrema-direita, cujo governo está refém do centrão - que governou também com o PT). Um exemplo recente desse núcleo de direita dentro do PDT é a aliança com o PMDB de Sartori no Rio Grande do Sul.
O antídoto é a construção, no campo das esquerdas, de um projeto eleitoral sólido e trabalhista para afastar-se do proselitismo eleitoral e do cretinismo parlamentar tão comum aos partidos. Para isso a formação ideológica passa a ter caráter fundamental, e deve ser feito em conjunto com os institutos dos partidos. Devemos todos ler Alberto Pasqualini, que está cada vez mais atual nos dias de hoje.
O trabalhismo, enquanto ideologia política, está fortemente ameaçado pela onda conservadora propagada pelos meios de comunicação, que primeiramente centram suas forças contra Lula, Dilma e o PT. Mas caso o PDT e Ciro atinjam um protagonismo nacional, as baterias serão centradas contra eles. Pois o inimigo real das forças neoliberais é o pensamento trabalhista. Portanto, a questão a ser debatida é a manutenção, e o aprofundamento, desse projeto no longo prazo. O Trabalhismo é a única alternativa viável de esquerda dentro do capitalismo.
O Golpe de 1964, em sua vigência, teve como objetivo varrer o pensamento e os líderes trabalhistas. Embora, em virtude do contexto internacional, o pretexto foi o combate ao comunismo. Por isso, cada vez mais estratégico e necessário a aproximação entre PDT, PT, PSB e PCdoB, entre outros em diversos Estados e Municípios no Brasil em 2022, 2024 e 2026.
O que presenciamos recentemente, foi a desconstrução de uma imagem de forma tão hábil e sistêmica como é a fizeram contra a presidente Dilma Rousseff. Os meios de comunicação construíram essa imagem de incompetência (contribuído com a péssima assessoria de comunicação de Dilma e o PT) e corrupção quando na verdade tivemos uma presidente das mais corretas das últimas décadas. Em suma, o antipetismo destruiu o Brasil com a ajuda do PT
Em relação a crise econômica, sustento a tese de que foram, principalmente, as manifestações de junho de 2013 que iniciariam o fim da Era Petista. O gráfico a seguir traz a evolução das taxas de crescimento trimestral e acumulado e, quatro trimestres e mostra que a taxa de investimento caiu por 8 trimestres consecutivos. Pode-se notar que ela estava sendo recuperada entre o primeiro e segundo trimestre de 2013, o que se pode conjecturar que se não fosse a enorme instabilidade política ocasionada pelas manifestações direcionadas contra a Copa do Mundo de 2014 e, assim, contra o governo do PT com o mantra Saúde e Educação padrão Fifa.
Como todos sabem, uma das variáveis fundamentais para a expansão do investimento são as expectativas. O terrorismo midiático começou desde que o governo Dilma iniciou a baixa da taxa de juros, por meio do que restou dos bancos públicos, e o PT defendeu em seu congresso a regulamentação da mídia (no início do primeiro governo Dilma).
Essa “campanha orquestrada” pela grande mídia e fez com que as expectativas passassem a ser pessimistas, agravado nesse contexto de crise internacional. Depois veio as eleições completamente polarizadas e assim o Brasil entrou num ciclo vicioso até hoje. A estratégia de ridicularizar a presidente para colocar nela o atestado de incompetente, em conjunto com a manipulação da mídia atrelando exclusivamente o PT a corrupção, por meio da Lava Jato e seu juiz-político Sérgio Moro, enfraqueceu politicamente o governo trabalhista e barrou o projeto social-desenvolvimentista. A presidenta seria reeleita em primeiro turno em maio de 2013, após a canalização das manifestações de junho desse ano ela quase não se reelegeu em 2014 e se auto ajudou a ser derrubada em 2016 com a nomeação de Levy para o ministério da fazenda e sua política econômica que “assassinava” Keynes.
A única forma de convencer as pessoas, especialmente a imensa massa de trabalhadores, a derrotar um projeto que as beneficia é o ridicularizando-o. Em 2014 dois projetos nitidamente antagônicos marcaram as eleições de outubro. De um lado, o projeto social –democrata (trabalhista), encabeçado pelo PT, focado no crescimento econômico com distribuição de renda por meio de programas de transferência de renda e numa significativa melhora no salário mínimo. De outro lado, o projeto neoliberal, que usa o argumento da meritocracia (sem igualdade de oportunidades) para fortalecer uma ideologia liberal de livre mercado sem intervenção do estado. Felizmente, o projeto escolhido foi o que tem diminuído consideravelmente o maior de todos os problemas brasileiros que é a nossa IMENSA desigualdade socioeconômica. Entretanto, o país mostra sua face despolitizada nas redes sociais, que juntamente com o cartel da mídia, ajuda a alimentar a desinformação e a ignorância.
Entretanto, com a ascensão de Temer à presidência do país, o projeto neoliberal saiu vitorioso e aprofundado com o governo Bolsonaro e o ministro da economia Paulo Guedes (que representa a mesma política neoliberal de Dória, Eduardo Leite ou Moro), embora a direita está aparentemente dívida entre a conservadora-liberal e a reacionária-liberal, o projeto neoliberal está cada vez mais fortalecido. Um projeto que vê na força do livre-mercado a solução egoísta para problemas que requerem cada vez mais solidariedade.
Para esse ideário neoliberal cooptar o voto da maioria dos cidadãos-contribuintes-eleitores, em sua grande maioria formada por trabalhadores, seria necessário desconstruir e gerar fissuras e brigas dentro do mesmo campo político desse outro projeto e impedir de qualquer forma que esse elegesse o presidente da república e uma maioria no congresso progressista, isso seria muito perigoso (assim como foi em 1964 com o presidente João Goulart) para a classe dominante do país.
A primeira a ser convencida é a classe que mais é influenciada pelos meios de comunicação: a Classe Média, principalmente a emergente, que foram cooptadas pelo discurso da meritocracia e não pelas condições que esses governos criaram para que essas pessoas ascendessem de classe. O neoliberalismo anda junto, enquanto discurso, com uma espécie de Darwinismo Social. O egoísmo crescente da sociedade estimula o discurso de que os mais fortes sobrevivem e a solidariedade e a responsabilidade coletiva perde força frente a um individualismo exacerbado.
Conforme Paulo Metri, nos “últimos tempos, têm pessoas, principalmente da classe média, que odeiam com toda alma o PT. Não conseguem pensar com isenção sobre qualquer questão em que este partido esteja envolvido. Reagem emocionalmente, inclusive sem a possibilidade de existir um diálogo construtivo com elas. Não ouvem argumento algum se ele ressaltar um aspecto positivo do PT. Esta reação emocional é, em grande parte, de responsabilidade da mídia tradicional, que é parte integrante do capital. Os transbordantes de ódio nem entendem que são manipulados”. A pergunta que fica é: como convencer as pessoas, em grande maioria as menos privilegiadas materialmente, a escolherem o projeto neoliberal (que as prejudica) em detrimento do trabalhista que as beneficia?
A resposta é simples: por meio da repulsa a um projeto e não pela aceitação de outro.
Parafraseando o célebre artigo de Carlos Lacerda contra o governo nacionalista de Getúlio Vargas e que foi o lema da oposição contra Dilma poderá ser contra Ciro Gomes ou Lula: “O Sra. Dilma Rousseff, presidente, não deve ser candidata à presidência. Candidata, não deve ser eleita. Eleita não deve tomar posse. Empossada, devemos recorrer à um impeachment (ou um golpe) para impedi-la de governar.
O antigetulismo de ontem, é o antipetismo de hoje, e será o anticirismo de amanhã caso Ciro seja eleito em 2022 ou 2026.
Data vênia, embora existem “reinos da verdade” espalhados por toda parte, essa é a minha opinião.
* Cássio Moreira é economista e professor, pós-doutor em História Política (UFF), doutor em Economia do Desenvolvimento (UFRGS) e autor do livro “O Projeto de Nação do Governo João Goulart: o Plano Trienal e as Reformas de Base” e criador do Canal Conversas e Café no YouTube (Inscreva-se aqui: https://www.youtube.com/cassiomoreira?sub_confirmation=1 .
Este texto não reflete necessariamente a opinião do Portal Raiz Trabalhista.