Cadeia Velha para novos tempos
Cadeia Velha para novos tempos
Flávio Viegas Amoreira*
A ´´Cadeia Velha´´ leva essa denominação por costume mas representa muitas camadas de nossa História e é um dos marcos de nossa identidade visual ´linkando´ tradição e vanguarda. Alí o mítico cônsul britânico Sir Richard Burton fez pouso, a mega-diva Sarah Bernhardt se instalou para se apresentar no Guarany nos idos da Abolição , Patrícia Galvão musa do modernismo e ícone feminista nacional ficou encarcerada. Nos últimos cinqüenta anos virou sinônimo de Cultura de resistência e criatividade visceral e assim precisa seguir. Fosse na Europa e em cidades descoladas do planeta as portas seriam escancaradas para dizer : artistas criem ! exorbitem talento, dêem alma ‘a cidade carente de movimento e idéias. Que venham os jovens artistas das ´quebradas´ que fazem melhor arte brasileira , do rap , dos ´slams´, do grafite; o artesanato indígena desse litoral caiçara, as rendeiras madeirenses dos morros e os artesãos da nossa imensa população nordestina. Onde mais celebrar o centenário da Semana de 22 senão no testemunho vivo de Pagu? Onde uma exposição de Mário Gruber, a fotografia internacional de Araquém Alcântara, onde um quarteto de cordas para festejar centenário de Gilberto Mendes? A Praça dos Andradas é o sonho de Praça Roosevelt de toda comunidade criativa da região : a ´´Vila do Teatro´´, o Guarany revitalizado , os sebos que precisam ser fomentados e a ligação direta com a megalópole desvairada. Imaginem possibilidades modais entre a Rodoviária , terminal de ônibus e em breve o VLT serpenteando esse viveiro-incubadora de criatividade ? Ocupar o centro a partir desse cadinho de arte, gastronomia, cervejas artesanais, com o renascimento do Mont Serrat , o advento de ´coworkings´, garagens galerias como Marvila em Lisboa ou Raval em Barcelona . O porto pede, sugere, favorece cultura especialmente com suas atribuições reinventadas. Me preocupam projetos de cima para baixo do Governo do Estado para implementar projetos de cursos burocraticamente formatados a partir dum conceito ainda pouco explicitado de ´economia criativa´. Claro que a cultura digital precisa ser dinamizada, mas hibridamente com o epidérmico som, sentidos e vibração do humano demasiado humano. Nada contra ´mundo geek´ ou aulas de videogames, mas seria horror reduzir aquela arquitetura ‘a sazonalidade pedagógica de ´nerds ´com pokémon no lugar da literatura, da dança, dos saberes e sabores santenses. Com mais de quarenta anos observando a cena cultural entre Sampa e o cais não me lembro de nada mais esdrúxulo que a ocupação da ´´Cadeia Velha´´ pela Agem; falando nisso ela pode sim ressignificada por Arte ser ponto de partida para discussão da real metropolização cultural das cidades da região . Espaços de arte em tempos transmodernos devem ser movidos menos com processos de implantação e sempre com co-gestão, ocupação, descentralidade holística . Será triste ver de novo o solar altaneiro na entrada da terra fossilizado por imposição administrativa. Em período ´russo´ bom relembrar o poeta Maiakóvski : ´´Dizem que em algum lugar , parece que no Brasil , existe um homem feliz.´´ Somos resistentes dia a dia porque fazemos Arte. Permitam-nos confirmar a suspeita de nossa alegria....
*Escritor