Antes tarde do que nunca
Igor Reis*
A realidade do Big Brother de George Orwell chegou à nossa há algum tempo. Décadas após 1984? Sim, mas chegou. Câmeras nos vigiando em todos os lugares, desde a saída do apartamento, passando pela rua, dentro do ônibus, até chegar ao nosso ambiente de trabalho. Podemos nos arriscar a dizer que 99,9% dos estabelecimentos têm câmeras para vigiar não só o local, mas como os funcionários trabalham, se merecem ou não a confiança do chefe.
Câmeras já estão em absolutamente todos os lugares. E porque esperam acontecer situações trágicas para incorporar o equipamento nos batalhões de polícia? Se é um serviço que exige extrema responsabilidade, lida com vidas humanas e uma imensa pressão psicológica?
Imaginemos quantos casos que seriam resolvidos ou abordados de maneira diferente caso o uso das câmeras já tivesse em curso? Além de responder dúvidas sobre os procedimentos policiais, esclarece casos em que ocorrem ou não erros.
O primeiro estado do Brasil a adotar essa medida foi Santa Catarina, em 2019.
São Paulo começou a implantação das câmeras em 2021. Segundo a Polícia Militar (PM), em 2022 seriam implantados mais 7 mil equipamentos nos uniformes dos policiais.
São câmeras norte-americanas Axon Body 3, que são acopladas na parte frontal dos coletes à prova de balas dos policiais militares. Elas gravam imagens e áudios por 12 horas seguidas. Esta é a duração do turno de trabalho de cada agente que usa veículo em patrulhamentos ostensivos.
Até o começo deste ano, 18 batalhões paulistas utilizavam as câmeras durante o trabalho policial, que inclui patrulhamentos nas ruas, abordagens e até perseguições a suspeitos. Desde que eles passaram a usar os equipamentos, em junho do ano passado, até setembro, o número de mortes decorrentes da atividade policial caiu 46% em todo o estado, na comparação com o mesmo período de 2020.
Os policiais das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) também passaram a usar câmeras e, o batalhão que mais matou suspeitos de crimes em 2019 no Estado, teve redução de 89% na taxa de letalidade em sete meses.
Infelizmente, a medida só veio depois que já tinha ocorrido a covardia do massacre de Paraisópolis, em 2019.
No Estado do Rio de Janeiro, as câmeras começaram a ser disponibilizadas para nove batalhões no final de maio. Segundo o governador Cláudio Castro, foram compradas 21 mil câmeras. Por uma lei promulgada há 12 anos, o Estado já contava com câmeras nas viaturas, mas, na prática, não era executada.
Por coincidência ou não, o Estado que tem mais mortes em operações policiais parece não ligar para isso.
Infelizmente, a medida das câmeras nos uniformes, veio após policiais militares interromperem a tiros uma batalha de rap no começo de maio em Cabo Frio. Imagens gravadas pelo celular de alguns moradores mostram os agentes disparando, enquanto adolescentes e crianças gritam e correm.
Também veio tarde demais para saber o que realmente aconteceu na chacina da Vila Cruzeiro que matou 23 pessoas entre suspeitos e inocentes.
* Jornalista